Introdução
O leitor da
Bíblia ao chegar a passagens como Gênesis 6:6; I Samuel 15:11 e Jonas 3:10 que
declaram que Deus se arrependeu e posteriormente confrontá-las com Números
23:19; I Samuel 15:29; Salmo 110:4 e Hebreus 6:17 que afirmam ser impossível
que Deus se arrependa, pensará que existe grande contradição na Palavra de Deus
quanto ao arrependimento divino.
Com a
finalidade de dissipar dúvidas sobre a veracidade da palavra inspirada e para
que declarações aparentemente conflitantes sejam esclarecidas esta monografia
foi preparada. Para que este objetivo seja alcançado é necessário pesquisar
diretamente nas línguas originais em que o Velho e o Novo Testamento foram
escritos, porque estas nos fornecem elementos convincentes.
O Que é Arrependimento?
Afirmou Billy Graham que se o
vocábulo arrependimento pudesse ser descrito com uma palavra, ele usaria o
vocábulo renúncia. E esta renúncia seria o pecado.
O primeiro
sermão pregado por Jesus foi: "Arrependei-vos, porque está próximo o reino
dos céus."
Devemos a
salvação unicamente à graça de Deus, mas a fim de que o sacrifício de Cristo na
cruz do Calvário se torne eficaz ao crente, é preciso que ele se arrependa do
pecado e aceite a Cristo através da fé.
O
arrependimento é mencionado 70 vezes no Novo Testamento. Jesus disse: ". .
. se, porém não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis."
Que
significaria a palavra arrependimento para Jesus?
Qualquer um de
nossos dicionários a definirá como "sentir tristeza, ou lamentar."
Porém, a palavra no original hebraico e grego tem uma conotação muito mais
ampla por significar mais do que lamentar e sentir tristeza pelo pecado.
Arrependimento
na Bíblia significa "mudar ou voltar-se". A Palavra indica que deve
haver uma completa mudança no indivíduo.
Pedro mostrou
com seu arrependimento que estava disposto a transformar sua vida, a seguir uma
nova direção. De outro lado, Judas entristeceu-se, sentiu remorso, mas não se
arrependeu.
De acordo com o
Dicionário da Língua Portuguesa de
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, "arrependimento é sinônimo de
compunção, contrição. Insatisfação causada por violação da lei ou de conduta
moral e que resulta na livre aceitação do castigo e na disposição de evitar
futuras violações."
Como um termo
teológico é o ato de abandonar o pecado, aceitando a graciosa dádiva da
salvação de Deus, entrando para o companheirismo com Ele.
Arrependimento
evangélico tem sido definido como mudança de pensamento, que leva a novo modo de
agir. Em outras palavras, é a revolta consciente e definitiva do homem contra
seu próprio pecado.
Arrependimento
significa tornar-se outra pessoa. "Se não vos converterdes e não vos
tornardes como crianças, de medo algum entrareis no reino dos céus". Mateus18:3.
Russell Norman
Champlin assim define arrependimento:
1º) "É um
ato divino que transforma o homem, mas que depende de reação positiva do homem,
uma vez inspirada pela fé."
2º) "É o
começo do processo da santificação."1
"Consiste
de uma revolução naquilo que é mais determinativo na personalidade humana,
sendo o reflexo, na consciência, da radical mudança operada pelo Espírito Santo
por ocasião da regeneração."2
Arrependimento no Velho
Testamento
No hebraico são
encontrados dois vocábulos para expressar a idéia de arrependimento.
1. hbb – Naham.
É o arrependimento de Deus e corresponde ao grego metamélomai. As
seguintes passagens bíblicas confirmam a sua existência. Gênesis 6: 6 e 7;
Êxodo 32: 14; Jonas 3:9 e10.
Deus é imutável
em seu ser, na sua perfeição e em seus propósitos. O arrependimento divino não
traz mudança do seu ser, do seu caráter, mas apenas mudança em sua maneira de
tratar com os homens. O arrependimento de Deus é uma referência à alteração que
se realiza na sua relação para com o homem. O exemplo dos ninivitas nos ajuda a
compreender o arrependimento de Deus. A cidade não foi destruída porque o povo
se arrependeu de suas más obras. Deus mudou o seu tratamento devido à mudança
operada no povo. O arrependimento de Deus (Naham)
foi uma conseqüência do arrependimento do povo (Shubh).
Na International Standard Bible Encyclopaedia, vol. IV, pág.
2.558 se encontra a seguinte explicação:
"A palavra
hebraica Naham é um termo
onomatopaico, que significa dificuldade em respirar, como gemer, suspirar, e
também lamentar, magoar-se, compadecer-se e, quando a emoção é produzida pelo
desejo do bem dos outros, chega a significar compaixão e simpatia; quando,
porém, se refere ao próprio caráter e atos, significa lastimar, arrepender-se.
A fim de adaptar a linguagem à nossa compreensão, Deus é representado como
alguém que se arrepende, quando retarda as penalidades que tem de aplicar ou
quando o mal a sobrevir é desviado por ter havido uma reforma genuína (Gênesis
6:6; Jonas 3:10)."
II. dd` – Shubh
– arrependimento do homem.
Este vocábulo
hebraico corresponde ao grego metanoéo.
A palavra
significa girar, voltar ou retornar, e é aplicada quando a pessoa deixa o
pecado e se volta para Deus de todo o coração.
Se pecado
etimologicamente significa falhar em atingir o alvo, desviar-se do caminho
certo; arrepender-se é retornar ao caminho correto ou total retorno da pessoa a
Deus.
Arrependimento em o Novo
Testamento
Assim como há
no hebraico duas palavras, uma para expressar o arrependimento divino e outra o
humano, existem também em grego duas diferentes palavras para transmitir estes
dois tipos de arrependimento.
I. O verbo
usado em grego para o arrependimento de Deus é metamelomai – metamélomai.
Metamélomai pode ser traduzido por pesar, sentir tristeza,
remorso, mudança de sentimento. Ter cuidado ou preocupação por alguém ou alguma
coisa. Etimologicamente significa mudar uma preocupação por outra.
Possuindo Deus
caráter e atributos imutáveis Ele é perfeito, logo não pode mudar nem para
melhor nem para pior. No entanto, a imutabilidade divina não consiste em agir
sempre da mesma maneira. Há casos e circunstâncias que podem ser alterados.
Strong nos
esclarece sobre a imutabilidade de Deus:
"Deus,
embora imutável, não é imóvel. Se Ele, coerentemente, segue um curso de ação
segundo a justiça, Sua atitude precisa ser adaptada á toda mudança moral nos
homens. A imutável santidade de Deus requer que Ele trate os ímpios diferentemente
dos justos.
"Quando os
justos se tornam ímpios, seu tratamento a respeito destes deve mudar. O sol não
é volúvel ou parcial porque derrete a cera, enquanto endurece o barro; a
mudança não está no sol, mas nos objetos sabre os quais brilha. A mudança no
tratamento de Deus para com os homens é descrita antropomorficamente como se
ocorressem mudanças no próprio Deus."3
II. Metanoeo – metanoéo é o verbo usado
em grego para o arrependimento do homem.
Dicionários e
comentários nos informam que significa:
a)
Uma mudança de mente, de pensamento
b)
Literalmente significa pensar diferentemente.
c)
Teologicamente a palavra inclui não somente mudança da
mente, mas uma nova direção da vontade, propósito e atitudes.
O verbo metanoéo é usado em o Novo Testamento 32 vezes.
O
arrependimento inclui três aspectos:
1º) O aspecto
intelectual, ou seja, o reconhecimento, pelo homem, do erro de sua vida, sua
culpa diante de Deus, sua incapacidade para, em suas próprias forças agradar a
Deus. Sendo o homem um ser intelectual, Deus somente se agrada em ser adorado
por meio de um processa racional.
2º) O aspecto
emocional – tristeza pelo seu pecado como uma ofensa contra um Deus santo e
justo. Os sentimentos não são equivalentes ao arrependimento, mas podem
conduzir a um verdadeiro arrependimento, porque o verdadeiro arrependimento não
pode provir de um coração frio ou indiferente.
3º) O aspecto
da vontade ou volitivo – mudança de propósito, resolução íntima contra o pecado
e disposição para buscar de Deus o perdão, purificação e poder. Este é o mais
importante dos elementos, pois Deus pode apelar à pessoa para se converter,
chamá-la ao arrependimento, mas como Deus dotou o homem com o livre arbítrio,
somente este pode ou não aceitar o perdão divino; somente o próprio homem pode
escolher arrepender-se ou não.
Apesar das
ponderações anteriores, o arrependimento, no mais profundo sentido está além
das forças ou do poder humano. Ellen G. White declara: "O arrependimento,
bem como o perdão, são dons de Deus por meio de Cristo."4
É importante
compreender (como insiste Morris Venden, o autor de Meditações Matinais, 1981, nos dias 22 a 31 de maio) esta verdade
fundamental. Não podemos primeiro arrepender-nos para depois ir a Cristo.
Devemos ir a Ele como estamos e Ele irá transformar a nossa vida.
Paulo em
Romanos 2:4 nos asseverou com muita objetividade que é a bondade de Deus que
nos conduz ao arrependimento.
O
arrependimento é um passo decisivo na vida do cristão, desde que a Bíblia no-lo
apresenta como uma das condições para a salvação. As seguintes citações
bíblicas corroboram para esta afirmação:
Mat. 3:1 e 2 –
"Naqueles dias apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia, e
dizia: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus."
Mat. 4:17 –
"Daí por diante passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque
está próximo o reino dos céus."
Luc. 13:3 –
"... Se, porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis."
A Pena
abalizada de Ellen G. White confirma a nítida distinção entre o arrependimento
divino e humano.
"O
arrependimento de Deus não é como o do homem. 'Aquele que é a Força de Israel
não mente nem se arrepende; porquanto não é um homem para que se arrependa.' I
Samuel 15:22. O arrependimento de Deus implica uma mudança de circunstâncias e
relações. O homem pode mudar sua relação para com Deus, conformando-se com as
condições sob as quais pode ser levado ao favor divino; ou pode pela sua
própria ação, colocar-se fora da condição favorável, mas o Senhor é o mesmo,
ontem, hoje e eternamente. Heb. 13:8."5
"O
arrependimento quando referente a Deus significa uma mudança de atitude, ou um
voltar atrás. Nesse sentido é que a expressão é usada em I Sam. 18:8. Deus não
modifica seu propósito, porém o homem, sendo um agente moral livre, pode
modificar a realização do propósito divino. O relato de Jonas sobre a
destruição de Nínive nos mostra que houve uma mudança de atitude com relação a
Deus, e Ele também mudou Seu procedimento, isto é, arrependeu-se do mal de que
lhes ameaçara."6
Dois
Exemplos Distintos de
Arrependimento Encontrados na
Bíblia
1º) O arrependimento de Pedro.
Após a negação
do Mestre, quando o olhar compassivo e perdoador de Cristo lhe penetrou na
alma, ele se rendeu à influência benfazeja do amor. Lucas 22:62 afirma que ele
chorou amargamente. Esta é a tristeza que opera o arrependimento que conduz à
salvação – II Cor. 7:9-10. O arrependimento de Pedro foi o metanoéo que
modificou toda a sua vida. Ele estava triste por causa do seu pecado. Sua
trágica queda por ocasião do julgamento de Cristo, seguida de seu
arrependimento e subseqüente reabilitação, aparece como sendo o ponto de
conversão de sua vida e caráter. Daí por diante, e com uma única exceção (Gál.
2:11-13), ele nos é apresentado como nobre apóstolo, com dignidade, coragem,
prudência e firmeza de propósito.
2º) O arrependimento de Judas.
Em Mateus 27:3
se encontra o verbo metamélomai, que em algumas traduções
aparece traduzido por arrepender-se, mas o seu arrependimento foi somente no
sentido de tristeza ou remorso pelo seu pecado, e não no sentido de mudança de
vida, de abandono do pecado. Essa tristeza segundo o mundo é a que opera a
morte (II Cor. 7:10).
Judas não
sentiu profundo pesar por haver traído a Cristo, mas tristeza por perceber que
seus planos falharam.
O verbo metamélomai foi usado porque o seu arrependimento foi apenas
mera tristeza, desespero, sem nenhuma mudança da mente (metanoéo).
Cristo sabia
que o traidor não se arrependera verdadeiramente.
A pena
inspirada confirma esta declaração:
"Até dar
esse passa Judas não passara os limites da possibilidade de arrependimento. Mas
quando saiu da presença de seu Senhor e de seus condiscípulos, fora tomada a
decisão final. Ultrapassara os termos."7
Conclusão
A idéia
principal na afirmação de que Deus se arrependeu, nada tem a ver com falhas e
pecados como acontece com o homem, mas apenas a sua mágoa com o mau
procedimento humano e o seu desejo de sustar o curso do mal.
Rendamos sempre
graças a Deus porque no seu infinito amor ele se entristece com o nosso pecado
e muda o seu tratamento, quando nos arrependemos de nossas obras más.
Deus é
imutável, mas a mutabilidade humana faz com que ele mude o seu trato para
conosco.
Referências
1. O
Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, vol. III, pág. 68.
2. O
Novo Dicionário da Bíblia, vol. 1, pág. 141.
3. A
Teologia Sistemática de Strong, pág. 124.
4. Testemunhos Seletos, de Ellen G. White,
vol. II, pág. 94.
5. Patriarcas
e Profetas, de Ellen G. White, pág. 630.
6. SDA Bible Dictionary
7. O Desejado de Todas as Nações, de Ellen
G. White, págs. 654 e 655.
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